O traçado de uma linha de caminho
de ferro e o estabelecimento de uma estação eram de extrema relevância
para qualquer terra na segunda metade do século XIX. Envolviam interesses,
moviam, quantas vezes, paixões e ódios. O caminho de ferro era um factor
de desenvolvimento local e regional. Era o raiar da esperança, uma forma
de recuperar atrasos, uma porta aberta ao futuro. O passar do comboio era
factor de mobilidade, com todas as consequências económicas, sociais,
demográficas e culturais que lhe estavam associadas. O comboio reforçava e
desenvolvia os centros urbanos.
Vilar Formoso deve grande parte do que é ao caminho de ferro, à sua
linda e rica estação cheia de belos azulejos. Não tivesse um dia, a nossa
fronteira, sido rasgada pela Linha da Beira Alta e Vilar Formoso não seria mais
do que uma de entre tantas aldeias fronteiriças que pouco aproveitaram dos
contactos com Espanha e a Europa.
Fontes Pereira de Melo, em 1859, mandou fazer o reconhecimento do terreno, de
Coimbra até à fronteira, para estudar as condições de abertura da Linha da Beira
Alta, que viria a ser construída, após análise cuidada de outras alternativas,
ao longo do vale do Mondego. Em 1873 surge uma Portaria aprovando a proposta do
Eng. Combelles para proceder aos estudos definitivos, por conta do Governo, para
o Caminho de Ferro da Beira Alta. Na continuação do crescimento ferroviário em
Portugal, surge em 1874 uma proposta parlamentar para a construção de uma linha
de via larga que, atravessando a Beira Alta, unisse o litoral com a fronteira
espanhola. Em 1875 surge uma outra Portaria encarregando Bento Fortunato de
Moura Coutinho de Eça de elaborar o projecto definitivo para a construção do
Caminho de Ferro da Beira Alta. Em 1876 surge um Decreto abrindo concurso para a
construção e exploração da Linha de Beira Alta. Nesse mesmo ano, o Governo não
adjudica a construção da Linha da Beira Alta à Société Financière, que pedia a
subvenção de 160.000Fr/Km. Por duas vezes abriu o governo concurso para a
construção da Linha, obtendo sempre resultados negativos. O governo ainda pensa
ele próprio avançar com a construção. Uma Lei autoriza o Governo, em 1877, a
contratar em hasta pública a construção do Caminho de Ferro da Beira Alta ou a
construí-lo por conta do Estado.
Foi no ano de 1878, no governo de Serpa
Pimentel, que, num derradeiro concurso, se atribui a construção da linha da
Pampilhosa até Vilar Formoso e a exploração da Linha da Beira Alta.
Estabeleceu-se, então, o contrato entre o Governo e Eduard Bartissol
representante da Société Financière de Paris, para a construção e exploração do
Caminho de Ferro da Beira Alta (Pampilhosa à fronteira e Ramal de Coimbra). A
construção da Linha da Beira Alta foi iniciada em 1880. Começou, simultaneamente
pela Pampilhosa e por Vilar Formoso, com duas grandes equipas de trabalho, uma
de cada lado, que se vieram a encontrar em Nelas, ao fim de dois anos.
A Linha
da Beira Alta foi aberta à exploração pública entre Figueira da Foz e a
fronteira por Vilar Formoso em 1 de Julho de 1882 e a sua inauguração oficial,
já pela Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses da Beira Alta, ocorreu em 3
de Agosto de1882, na Figueira da Foz, onde a família real procedeu à bênção da
locomotiva e iniciou a viagem com destino a Vilar Formoso, com paragem para
pernoitar em Mangualde. Faz neste Agosto 120 anos.
Engalanada e repleta de povo,
a estação de caminho de ferro de Vilar Formoso recebeu em 4 de Agosto de 1882 a
visita do rei D. Luís, da rainha D. Maria Pia e dos príncipes D. Carlos e D.
Afonso. Serviu a visita para proceder à inauguração da Linha da Beira Alta e da
bonita estação de 1ª classe de Vilar Formoso. A estação apresenta uma das
colecções mais importantes de azulejos, contam-se cinquenta, provenientes da
fábrica Viúva Lamego e provavelmente elaborados pelo artista J. Alves de Sá.
Debaixo de sol abrasador o povo de Vilar Formoso assistiu com alegria às
comemorações. Um morador de Vilar Formoso, de seu nome Manuel Fernandes
Monteiro, ofereceu o terreno para a estação.
~
Em 1882 é estabelecido um contrato
entre o Governo e o "Sindicato Portuense" (conjunto de bancos do Porto), para a
construção da linha férrea de Salamanca a Vilar Formoso. Em 1884 o Sindicato
Portuense constitui uma Companhia com sede em Espanha, para a construção da
linha de Salamanca à fronteira portuguesa, financiada por capital accionista,
obrigacionista e subsídio governamental, denominada "Companhia de Caminho de
Ferro de Salamanca à fronteira portuguesa". A via férrea de Salamanca,
inaugurada em 23 de Maio de 1886, deu continuidade à linha da Beira Alta para o
centro da Europa e torna Vilar Formoso o términus nacional e um dos principais
postos fronteiriços terrestres.
Em 1887 começa a circular semanalmente o « Sud –
Express », primeiro comboio internacional Lisboa - Paris. Este foi, por certo, o
principal veículo de aproximação cultural entre o nosso país e o resto da
Europa. De facto, já Eça de Queirós falava nas ligações à cultura europeia que o
comboio representava. O sucesso do « Sud – Express» materializou-se no aumento
de frequência de serviço que de semanal passou a tri- semanal e depois a diário.
Em Julho de 1895, o antigo itinerário Madrid-Lisboa por Valencia de Alcantara
foi suprimido. O « Sud » passou a seguir por Medina del Campo e Salamanca,
entrando em Portugal por Vilar Formoso e utilizando a Linha da Beira Alta.
Pessoas e mercadorias passaram a cruzar a raia, num vai vem constante. O bulício
invadiu a singela aldeia raiana, onde os negócios prosperaram a olhos vistos.
Surgiram pensões, casas de pasto, boticas, depósitos de recolha e despacho de
mercadorias. Instalou-se uma alfândega de primeira classe e uma secção fiscal.
Académicos, políticos, negociantes, religiosos, peregrinos, veraneantes,
passaram a aportar Vilar Formoso, onde cresceu o domínio dos «mangas de alpaca»,
pois a fronteira significou papelada e burocracia no controlo de passageiros,
revisão de bagagens e cobrança de taxas. O anónimo lugarejo acordou como
categorizado entreposto comercial e administrativo, vendo perdida a aquietação
habitual.
Com o objectivo de efectuar a tracção do « Sud – Express » foi
adquirida, juntamente com outras duas, em 1931, pela Companhia dos Caminhos de
Ferro da Beira Alta a uma empresa alemã, a emblemática máquina BA 101. Foi uma
das melhores locomotivas da CP. Fazia com grande facilidade tanto comboios
rápidos como puxava cargas de mercadorias. Era uma máquina de um perfeccionismo
enorme, de grande potência e com grande velocidade, atingindo quase os cem
quilómetros/hora. O seu construtor foi a firma Henschel & Son. A sua
capacidade era de 23.000 litros de água e 7.000Kg de carvão. O peso total é de
138,00 toneladas e o comprimento total de 23,10 metros. Foi integrada, a partir
de 1947, nos Caminhos de Ferro Portugueses - CP e acaba os seus dias nos anos
setenta. Duas máquinas idênticas foram abatidas e uma outra, a BA 101 de Vilar
Formoso, foi escolhida para ficar para museu. Os últimos serviços da BA 101 de
Vilar Formoso foram na Linha do Minho.
Junto à estrada que conduz ao Sabugal, a
BA 101 é um dos ex-libris de Vilar Formoso conjuntamente com a bela estação de
caminho de ferro. A sua colocação em exposição significa a estreita ligação
entre Vilar Formoso e o comboio. A colocação entre a estação de Vilar Formoso e
de Fuentes de Oñoro poderá significar a ligação de Portugal à Europa, o desafio
da abertura de Portugal ao progresso e ao desenvolvimento, já anunciado, no
século XIX, pelas sonoras locomotivas a vapor.
Prof. José Gonçalves - NOTÍCIAS DO POVO 2002